segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Macia como o algodão, transparente como o papel de seda

Naquela noite senti que o Mundo ruía desalmadamente perante a minha alma.
Percorri cada canto e recanto do meu enorme quarto, na procura de rede para conseguir ouvir, sem ruídos, a rádio.
Era tudo o que precisava. A música acalma-me a alma e naquele dia nada a poderia substituir... já que o meu mp3 também sofria de algo sem cura, sem restauro.
Os ruídos teimavam em fazer-se ouvir e a minha paciência era pouca.
Deitei-me, enterrei a cabeça na almofada felpuda e chorei até não suportar mais as dores abdominais.
Por mais que me tapasse até às orelhas e aumentasse a temperatura do aquecedor eléctrico, os calafrios subiam-me dos pés, às pontas dos cabelos, serpenteando até lá, os meus caracóis.
Passavam-me breves recordações pela cabeça. Relembrava-me do seu corpo desfalecido espalhar-se sobre os meus braços, como o sangue nas veias. Sentia suavemente as suas mãos enrugadas e flácidas, escorregarem-me pela face, assim como uns patins numa pista de gelo, até à exaustão.
A sua pele macia como algodão, estava transparente como papel de seda. Eu sentia-a ainda deitada sobre o meu regaço, sem vida.
Tentei a todo o custo despertá-la, salvá-la, tentei mantê-la quente, teimei em ouvir e sentir o seu coração, mas algo foi mais forte que eu e apoderou-se por completo dela. Roubaram-ma para sempre...
Senti-la-ei até aos fins dos meus dias, bem aconchegada junto a mim, como um bebé. Poderei sentir o seu respirar, junto ao meu pescoço... E isto, ninguém me tirará, ninguém...
Já não conseguia pensar noutra coisa a não ser nas saudades que me consumiam e não haviam maneira de se afogar junto com as minhas lágrimas.
Amo-te "vó"*